Vi um anúncio de emprego. A vaga era de “Gestor de
Atendimento Interno”, nome pomposo que agora se dá à “Seção de Serviços
Gerais”. E a empresa exigia que os interessados possuíssem - sem contar a
formação superior - liderança, criatividade, energia, ambição, conhecimentos de
informática, fluência em inglês e não bastasse tudo isso, ainda fossem HANDS
ON.
Para o felizardo que conseguisse convencer o
entrevistador de que possuía essa variada gama de habilidades, o salário era um
assombro: 800 reais. Ou seja, um pitico.
Não que esse fosse algum exemplo fora da realidade. Ao
contrário, é quase o paradigma dos anúncios de emprego. A abundância de
candidatos permite que as empresas levantem cada vez mais a altura da barra que
o postulante terá de saltar para ser admitido. E muitos, de fato, saltam. E se
empolgam. E aí vêm as agruras da super-qualificação, que é uma espécie do lado
avesso do efeito pitico…
Vamos supor que, após uma duríssima competição com outros
candidatos tão bem preparados quanto ela, a Fabiana conseguisse ser admitida
como gestora de atendimento interno.. E um de seus primeiros clientes fosse o
seu Borges, Gerente da Contabilidade.
Seu Borges: — Fabiana, eu quero três cópias deste
relatório.
Fabiana: — In a hurry!
Seu Borges: — Saúde.
Fabiana: — Não, Seu Borges, isso quer dizer “bem
rapidinho”. É que eu tenho fluência em inglês. Aliás, desculpe perguntar, mas
por que a empresa exige fluência em inglês se aqui só se fala português?
Seu Borges: — E eu sei lá? Dá para você tirar logo as
cópias?
Fabiana: — O senhor não prefere que eu digitalize o
relatório? Porque eu tenho profundos conhecimentos de informática.
Seu Borges: — Não, não.. Cópias normais mesmo.
Fabiana: — Certo. Mas eu não poderia deixar de mencionar
minha criatividade. Eu já comecei a desenvolver um projeto pessoal visando
eliminar 30% das cópias que tiramos.
Seu Borges: — Fabiana, desse jeito não vai Dar!
Fabiana: — E eu não sei? Preciso urgentemente de uma
auxiliar.
Seu Borges: — Como assim?
Fabiana: — É que eu sou líder, e não tenho ninguém para
liderar. E considero isso um desperdício do meu potencial energético.
Seu Borges: — Olha, neste momento, eu só preciso das três
cópias.
Fabiana: — Com certeza. Mas antes vamos discutir meu
futuro… Seu Borges: — Futuro? Que futuro?
Fabiana: — É que eu sou ambiciosa. Já faz dois dias que
eu estou aqui e ainda não aconteceu nada.
Seu Borges: — Fabiana, eu estou aqui há 18 anos e também
não me aconteceu nada!
Fabiana: — Sei. Mas o senhor é hands on?
Seu Borges: — Hã?
Fabiana: — Hands on….Mão na massa.
Seu Borges: — Claro que sou!
Fabiana: — Então o senhor mesmo tira as cópias. E agora
com licença que eu vou sair por aí explorando minhas potencialidades. Foi o que
me prometeram quando eu fui contratada.
Então, o mercado de trabalho está ficando dividido em
duas facções:
1 - Uma, cada vez maior, é a dos que não conseguem boas
vagas porque não têm as qualificações requeridas.
2 - E o outro grupo, pequeno, mas crescente, é o dos que
são admitidos porque possuem todas as competências exigidas nos anúncios, mas
não poderão usar nem metade delas, porque, no fundo, a função não precisava
delas.
Alguém ponderará - com justa razão - que a empresa está
de olho no longo prazo: sendo portador de tantos talentos, o funcionário poderá
ir sendo preparado para assumir responsabilidades cada vez maiores.
Em uma empresa em que trabalhei, nós caímos nessa
armadilha. Admitimos um montão de gente super qualificada. E as conversas
ficaram de tão alto nível que um visitante desavisado confundiria nossa salinha
do café com a Fundação Alfred Nobel.
Pessoas super qualificadas não resolvem simples problemas!
Um dia um grupo de marketing e finanças foi visitar uma
de nossas fábricas e no meio da estrada, a van da empresa pifou. Como isso foi
antes do advento do milagre do celular, o jeito era confiar no especialista, o
Cleto, motorista da van. E aí todos descobriram que o Cleto falava inglês,
tinha informática e energia e criatividade e estava fazendo pós-graduação….. só
que não sabia nem abrir o capô. Duas horas depois, quando o pessoal ainda
estava tentando destrinchar o manual do proprietário, passou um sujeito de
bicicleta. Para horror de todos, ele falava “nóis vai” e coisas do gênero. Mas,
em 2 minutos, para espanto geral, botou a van para funcionar. Deram-lhe uns
trocados, e ele foi embora feliz da vida.
Aquele ciclista anônimo era o protótipo do funcionário
para quem as empresas modernas torcem o nariz: O QUE É CAPAZ DE RESOLVER, MAS NÃO DE IMPRESSIONAR.
Por: Max Gehringer
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